segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Full Metal Jacket





Full Metal Jacket é considerado um dos melhores filmes de guerra de todos os tempos. O contador de histórias Stanley Kubrick dá vida ao livro de Gustav Hasford pondo a guerra do Vietname a nu, retratando, tal como outros realizadores já o haviam feito, as atrocidades e a enorme carga emotiva que uma guerra sempre acata.
Da recruta em Paris Island ao campo de batalha em pleno Vietname, este é o percurso de Full Metal Jacket, que Stanley Kubrick realizou em 1986.
O filme surge claramente dividido em duas partes distintas. A primeira, em plena recruta, onde os jovens alistados são treinados para matar pelo cruel e lunático sargento Hartman (R. Lee Ermey) e uma segunda parte já situada no Vietname. Nestas duas partes há também duas abordagens distintas que se prendem basicamente com a tomada do ponto de vista. Na primeira parte, Stanley Kubrick aborda os recrutas como um único corpo às ordens do sargento e, desde a primeira sequência em que os jovens surgem no ritual de corte de cabelo, são tratados como um colectivo, indistinguíveis que, aos poucos, vão sendo revelados e apresentados ao espectador. E aí o protagonismo recai mais sobre o sargento e sobre o recruta Gomer Pyle (Vincent D'Onofrio), ainda que abrindo caminho a um certo olhar do recruta Joker (Matthew Modine), que nos narra a história desde o início e que será então o guia para a segunda parte do filme.
Aí, é o seu olhar que nos conduz ao longo dos diversos cenários que percorre enquanto repórter de guerra. E será a partir desse momento que temos uma visão mais pessoal do conflito e da forma como este afecta a mente e os valores morais de um jovem em combate. O jovem que ao mesmo tempo tem no capacete a inscrição born to kill (nascido para matar) e alberga no uniforme o símbolo da paz. Mas o cinema de Stanley Kubrick sempre foi demasiado irónico para parecer assim tão simples e mesmo essa dualidade é tratada com grande dose de sarcasmo puro e duro, fazendo dessa confusão aparente do protagonista um espelho para todo o conflito em si.
É já mais do que conhecido o perfeccionismo do realizador em todas as obras que assinou e pode dizer-se seguramente que Full Metal Jacket funciona como um excelente exemplo desse lado metódico de Stanley Kubrick. Mas também é verdade que o filme não consegue situar-se ao nível de outras obras-primas do realizador, sendo incapaz de conseguir o equilíbrio entre as suas duas partes. E a verdade é que a primeira funciona de forma bastante mais eficaz, especialmente porque a ela se adequa de forma mais eficaz o tratamento irónico que carrega todo o filme.
Quando se dirige para o campo de batalha, o filme perde alguma da sua intensidade dramática, porque Stanley Kubrick nunca deixa que seja a personagem a tomar completamente conta da situação, não resistindo por vezes a maniquear a história de forma a que a sua visão política afecte a narrativa quando não deve. Ou, por outras palavras, em vez de deixar as imagens por elas próprias transmitirem o lado estúpido e, se quisermos, interesseiro desta guerra, acaba por colocar em algumas personagens discursos demasiado claros e unidireccionais que nem sempre funcionam da melhor forma.
Por outro lado, convém não esquecer que estamos a falar de um filme de Stanley Kubrick, um dos maiores realizadores que jamais pisaram este planeta. E isso significa desde logo algumas imagens estupidamente geniais e sequências excepcionais de cinema, aqui ao serviço do “filme de guerra”. E temos também uma das melhores bandas sonoras de que me lembro de ver num filme, desde a hilariante “Hello Vietnam” que acompanha os créditos iniciais (e que por si só nos avisa desde logo que o olhar do filme sobre a guerra vai estar carregado de ironia) à genial “Paint It Black”, dos Rolling Stones nos créditos finais, passando entretanto por uma bem sucedida selecção de canções e ainda uma partitura impecável de “Abigail Mead”.
Full Metal Jacket conquistou os espectadores mostrando que a mestria de Stanley Kubrick ainda não estava esgotada, tentando levar aos ecrãs o máximo de realismo possível, ao contrário de outros filmes do género. Um filme anti-guerra que continua actual, a fazer questionar a necessidade de uma guerra que não é nossa.

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