domingo, 31 de agosto de 2008

Les Triplettes de Belleville


Les Triplettes de Belleville tem como missão de fazer-nos sorrir em cada um dos seus planos, cheios como telas pintadas, onde nenhum canto do ecrã é deixado em branco. Talvez por isso a ausência de legendas, para que desfrutemos toda a imagem. E também porque a história, apesar de decorrer numa cascata de acções, mantém toda a coerência de um argumento consistente. Segundo o realizador Sylvain Chomet, o objectivo é falar através da animação propriamente dita, deixando margem para a interpretação que as palavras limitam.
Les Triplettes de Belleville é um filme de animação atípico, longe das convenções narrativas hollywoodescas, tem um humor inteligente, e por vezes negro, que marca todo o filme, realizado em 2003, tendo passado um pouco despercebido pelo grande público, mas não pela crítica.
O filme conta a história de Madame Souza, uma avó de ascendência portuguesa que cria o seu neto Champion, órfão, com toda a dedicação para o ajudar a realizar o seu sonho de ser ciclista. Champion é uma criança triste e a avó faz o possível para vê-lo feliz, oferece-lhe um cão, ao qual é dado o nome de Bruno, mas no fundo ele continua triste. Um dia Madame Souza oferece-lhe um triciclo, o que deixa o neto feliz. A partir daí o tempo da história avança. O cão Bruno, traumatizado desde cachorrinho, passa os dias à janela a ladrar aos comboios que passam mesmo em frente à casa torta e envolta em prédios, Champion já é crescido e Madame Souza é a sua personal-trainer para que consiga participar no Tour de France.
Durante a prova Champion é raptado por homens da máfia francesa que raptavam ciclistas para os obrigarem a pedalar, hipnotizados, em bicicletas que não saem do lugar, pasmados diante duma tela onde passam imagens reais a preto e branco do percurso da prova perante as apostas de muitos mafiosos. Corajosa, Madame Souza aluga uma gaivota e, sempre acompanhada por Bruno, inicia uma das maiores aventuras que já vimos em filmes animados numa cena que cruza a animação tradicional e os efeitos 3D, pedalando atrás do navio e atravessando uma grande tempestade marítima até chegar a Nova Iorque! Lá, Manhattan desaparece para dar lugar a Belleville, uma zona francesa, da grande cidade. Os americanos são comicamente retratados como pessoas bastante obesas devido à sua alimentação sobretudo à base de hamburguers.
Inicialmente Madame Souza perde o rasto dos bandidos, mas mais tarde com a ajuda das irmãs Triplettes excêntricas estrelas do musical dos anos 30, que cantam Swinging Belleville Rendez-Vous o único grande êxito da sua agora decadente carreira, e tema deste filme, inicia uma série de peripécias para salvar o neto.
Longe da tradição Disney e do 3D puro da Pixar, este filme destaca-se por uma desconcertante originalidade. A animação digital focou-se nos carros, bicicletas, barcos e comboios, permitindo concentrar esforços no desenvolvimento das personagens. E ao contrário de animações que tentam atingir a imagem real do cinema, Sylvain Chomet tira o melhor partido da grande vantagem que o desenho tem sobre a imagem filmada, a possibilidade de distorcer a realidade. É através de um traço caricatural que excessos são ampliados e faltas suprimidas.
Este filme é um banquete de pormenores surreais. Champion lembra as figuras esguias e indolentes de Dalí, a sua apatia contrastando com a efusividade e inteligência McGyveresca de Mme.Souza. A própria cidade não escapa à caricatura de uma Nova Iorque em frente a um espelho da feira popular, e a alucinação é ampliada pelo ódio do cão Bruno por comboios e pela impensável dieta das gémeas.
Sylvain Chomet aproveita para fazer um retrato, parcial, mas indiscutivelmente homenageante, do emigrante português, com as típicas referências, talvez incómodas aos mais susceptíveis, mas negligenciáveis perante a dominante força e ternura da personagem de Mme.Souza.

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