segunda-feira, 7 de julho de 2008

Dancer in the Dark


Dancer in the Dark é um Musical dirigido e criado pelo polémico Lars von Trier, o filme venceu o Festival de Cannes, em 2000, e revelou o talento de Björk como actriz, também premiada na competição.
À medida que seguimos Selma (
Björk), uma emigrante checoslovaca os Estados Unidos da América dos anos 60, vemos uma mulher que se batalha diariamente para dar ao seu filho a vida que ela nunca poderá ter, enquanto vai inevitavelmente perdendo a vista até à cegueira, fruto de uma terrível doença hereditária que se espalhará ao seu filho caso ele não seja operado. Por isso a cada dia que passa, Selma vai-se esgotando cada vez mais no trabalho que possui na fábrica e numa série de outros biscates e enquanto o tempo a atravessa sem misericórdia, ela vai sonhando acordada como se a sua vida pudesse irromper num musical.
É esta paixão de Selma que a vai guiando e tornando a vida suportável nos piores momentos: a fantasia da viagem a um mundo paralelo onde a alegria reina, as pessoas dançam e nada pode assolar o cintilar dos sorrisos e das vozes que preenchem todos os espaços cantando em plenos pulmões. Quando regressa à realidade, o amor que tem ao seu filho é a única força que a move diariamente, trabalhando exaustivamente, mesmo quando a sua visão é quase nula. E a pureza da vida desta mulher é invadida atrozmente pela traição e o engano, num lugar onde a esperança não possui qualquer futuro. Num dos momentos em que se refugia na música, Selma afirma que já viu tudo e que nada mais há para ver, carregando um desgosto trucidante no peito. A interpretação de
Björk é uma das mais inesquecíveis do cinema contemporâneo e decerto que será relembrada para todo o sempre pela sua enormidade dramática. O retrato que a islandesa faz de Selma é dos mais comoventes e honestos de que há memória e no final não restam mais lágrimas para chorá-la, tal é a violência da transfiguração de Björk no papel. Violenta ao ponto da cantora necessitar de um exílio de meses e meses após a feitura do filme e a promessa que seria a sua única experiência enquanto actriz, mesmo depois de ter vencido o prémio de melhor interpretação feminina em Cannes. A música, composta e interpretada pela mesma, é de uma beleza imersa na mais dolorosa tristeza. “I’ve seen it all” e “New World” constarão inevitavelmente numa lista das mais simultaneamente penosas e extasiastes do cinema.
Uma das razões da crueza do filme é a falta de compaixão de
Lars von Trier para com as suas actrizes durante as filmagens levando-as diversas vezes a um ponto intolerável de ruptura. A técnica é quase desumana e os resultados são visíveis no ecrã. A intensidade da história e da personagem principal é como uma tortura emocional levada até à exaustão. Mas é nesta rejeição de paternalismos e indulgências insolúveis que o cinema de Lars von Trier se eleva e penetra nas mais dolorosas feridas que possam existir no mapa emocional de cada um de nós. Porque só através dessa frieza e sinuosidade se consegue encontrar uma cura que ajude a perspectivar a amplitude e consequências da própria dor enquanto motor da Humanidade.
Lars von Trier é um manipulador de emoções. É, pois, compreensível que se gerem ódios por parte de quem não gosta de ser emocionalmente seviciado. Na meia hora final de filme, quase podemos imaginar o realizador na mesa de montagem com um riso algo sádico, murmurando “sofram, sofram!” Mas mais se deve acrescentar: Lars von Trier é um excelente manipulador de emoções. O resultado talvez se deva em pelo menos 80% a Björk, e à sua entrega total ao papel para o qual parece ter nascido. O excelente desempenho da cantora islandesa contribui para que se acentuem os papéis apagados de outros actores, como o de Catherine Deneuve e de Peter Stormare.
O cinema de
Lars von Trier continua a ser uma incógnita indecifrável do cinema europeu. Venerado por uns e odiado por outros, o cineasta dinamarquês não tem medo de confrontar os seus próprios medos, angústias e revoltas e fá-lo através dos seus filmes. O mundo de Lars von Trier é agreste e inóspito, onde nunca em qualquer momento se sente qualquer nível de conforto e redenção… não há na sua filmografia buscas de finais felizes idealizados ao máximo para embalar o público, a realidade é tremenda e insuportável na sua descida ao purgatório da natureza humana. Os demónios estão todos presentes e tudo se reduz a uma simples questão: de querer ou não enfrentá-los e olhá-los nos olhos. Talvez seja aqui que se dividam os seguidores e os dissidentes, que insistem a acusar Lars von Trier de pessimismo extremo. A verdade é que o realizador não espera muito da Humanidade, mas será isso uma tão grande ilusão?
A estrutura do musical flui com grande naturalidade. O recurso é justificado pelo amor da Selma por aquele género cinematográfico; perante todo o seu sofrimento, aí se tenta refugiar pois num musical nada corre verdadeiramente mal. Mas a realidade é bem diferente. Não há um crescendo musical, nem uma grua a subir centrando-se na protagonista rodeada de dezenas de bailarinos sorridentes, precedendo os créditos finais. O “número final” tem uma força dramática invulgar, surgindo no desenrolar de uma sequência de momentos emocionalmente devastadores.

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