domingo, 6 de julho de 2008

Mulholland Dr.


David Lynch reinventa-se a si mesmo neste onírico conto de uma mulher minada por sonhos não concretizados. Numa estrutura que mais se assemelha a um gigantesco mas inebriante puzzle, Mullholland Drive promove uma imagética simbólica da cidade de Los Angeles e mais especificamente de Hollywood, o lugar onde sonhos se desfazem e pesadelos emergem, muito inspirado em Sunset Boulevard de Billy Wilder. Uma soturna viagem pelo subconsciente de Diane (Naomi Watts), uma das maiores revelações de sempre e alguém que se viu lentamente privada da sua essência e consumida pelo lado negro que mora em todos nós. A visão única e insuperável de David Lynch fazem de Mulholland Drive um dos mais sombrios e geniais objectos de cinema dos últimos anos, um reflexo involuntário da besta que existe nos meandros mais profundos da consciência humana.
Rita (Laura Harring), procura a memória perdida, ao mesmo tempo que tenta perceber porque é que alguém anda à sua procura, com intenções de a matar. Betty (Naomi Watts), uma jovem mulher recém-chegada a Los Angeles, com intenções de se estabelecer como actriz, vai ajudá-la na investigação. Adam Kesher (Justin Theroux) é um realizador de cinema a quem é imposta uma actriz para o papel principal do seu novo filme. A recusa tem consequências drásticas no seu bem-estar físico e económico. Mistérios insondáveis da mente humana (de David Lynch ou de uma das suas personagens) envolvem o principal fluxo narrativo, adicionando ingredientes como um estranho cowboy, um night-club que, numa aparente redundância, encena o artificial ou sonhos de outrem, sobre o terror escondido nas sombras das traseiras de um café.Mulholland Dr. foi concebido como um episódio piloto de cerca de duas horas, destinado a ser exibido pela cadeia norte-americana ABC, no Outono de 1999. David Lynch resistiu o que pode, mas concluiu que o “controle criativo” que lhe era atribuído por contracto, vinculava a produtora, mas não a ABC, a qual poderia recusar o produto ou exigir alterações. Na prática, não detinha o “final cut”. Assim, mesmo depois do realizador efectuar uma montagem em que sentiu estar a trair a sua obra – consolado com a recuperação do material extirpado no desenvolvimento da série – a ABC viria a rejeitar o piloto, considerando eventualmente transformá-lo num telefilme, além de o projectar em salas de cinema europeias (algo que estava previsto inicialmente no contrato).O descalabro do projecto ocorreu por altura da exibição de «The Straight Story» (1999) em Cannes. Os produtores franceses desse filme, Alain Sarde e Pierre Edelman , viram o piloto de Mulholland Drive e quiseram transformá-lo num filme, reunindo para tal mais 7 milhões de dólares. Sob a asa da Studio Canal, que adquiriu os direitos, Lynch revisitaria a história dois anos depois, acrescentando cenas, voltando a filmar outras e concebendo uma conclusão inteiramente nova. O filme estreou nos EUA distribuído pela Universal. Apesar dos contratempos em redor da criação de Mulholland Dr. o objecto finalizado para projecção em salas de cinema não denota a existência de quaisquer espécie de remendos. O estilo narrativo de David Lynch, fundado numa lógica que se recusa a distinguir o real do imaginado, aliado a uma estrutura que subverte a lógica linear temporal, polvilhado por flashbacks e flashforwards, visões, pesadelos, sonhos dentro de sonhos e abstracções sem aparente resolução, mostrou ser o ideal para tal conversão.

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