quarta-feira, 9 de julho de 2008

Garden State

Garden State foi uma das surpresas de 2004 por várias razões. Primeiro: por vermos a estrela da serie Scrubs, Zach Braff, a escrever e realizar uma longa-metragem. Segundo: porque se saiu muito bem, conseguindo fazer um filme de qualidade que foi muito bem aceite, tanto pelo público como pela crítica.
Voltar a casa pode ser uma experiência aterradora, especialmente se o deixou de ser há muitos anos e a ligação com o passado é cada vez mais ténue,Andrew Largeman (Zach Braff) é um jovem actor de vinte e poucos anos que mora em Los Angeles e viveu toda a sua vida como se as suas emoções fossem esbatidas pela medicação que toma. Um dia a trágica morte da mãe fá-lo regressar à sua terra natal, Garden State, após nove anos de ausência e pela primeira vez decide experimentar deixar a medicação para ver como seria a sua vida sem estar dependente de nada.
O regresso a casa é um inevitável encontro com o pai Gideon Largeman (Ian Holm), do qual se distanciou muito e não consegue comunicar, procurando evitar a conversa que ambos precisam ter. Assiste um pouco de longe ao funeral da mãe, incapaz de exprimir as suas emoções através de lágrimas e afasta-se ao ver ao longe dois amigos de liceu, entre eles Mark (Peter Sarsgaard), que por ironia são os coveiros que enterrarão a sua mãe. Pouco a pouco, Large, como os amigos lhe chamam, vai descobrindo como a vida deles tomou caminhos diferentes do que poderia imaginar, o reencontro com os velhos amigos, que tomaram caminhos bastante diferentes do que a sua juventude fazia prever, é acompanhado pela constante fuga ao inevitável confronto com o seu pai. Entretanto, Large conhece Samantha (Natalie Portman), uma jovem mitómana diametralmente diferente dele. A sua vivacidade e a sua luta pela diferença opõem-se ao sonambulismo de Large. Enquanto este não consegue sequer derramar uma lágrima pela morte da mãe, Samantha chora por ela sem a conhecer sequer. O carinho e o carácter intrépido de Samantha serão a chave para que Andrew aprenda a sentir a alegria e a dor do abismo que é a vida.
Garden State é um filme introspectivo, existencialista, onde se espelha a angústia emocional que faz balançar ora a melancolia, ora a esperança dos jovens de hoje em dia.A amizade de Mark, juntamente com a ternura de Sam, marca ao longo do filme a redescoberta pessoal de Large, e este aprende a não ter medo de procurar a felicidade, apesar da dor do abismo que é a vida. De facto, as personagens estão bem interpretadas e cativam-nos cada uma à sua maneira.
No lado das interpretações, além de referir Zach Braff, ainda podemos contar com a talentosa Natalie Portman, naquela que muito bem ser uma das interpretações da sua carreira, mesmo que este filme seja discreto ao grande público. Emocional, criativa, doce e bizarra, Natalie Portman consegue ofuscar o seu colega Zach Braff quando partilha cenas com o mesmo. Quanto ao resto do elenco, Peter Sarsgaard é um actor a destacar numa melancolia agradável e carismática.
A personagem de Natalie Portman diz a certa altura que tem de existir em todos uma urgência de viver, mesmo que isso só implique desilusão e dor, porque é tudo o que realmente temos. Algo que Zach Braff depois repete para começar a encontrar-se, depois de 20 e poucos anos de letargia. É nesta aceitação de que nunca poderemos atingir o contentamento com que sonhamos que reside a chave para um novo estado de graça, onde poderemos finalmente substituir um vazio indecifrável por algo real.
História à parte, é de realçar alguns dos bons planos que podemos ver neste filme: Large confundindo-se com o cenário atrás de si ao vestir a camisa que uma amiga da mãe lhe fez, com os restos de um tecido horroroso da parede da casa de banho e a cena em que Large está numa festa com Mark e as pessoas começam a passar muito depressa à sua volta e só ele permance imóvel, dormente de espírito, alheio à realidade.
Poderíamos pensar que um jovem como Zach Braff na cadeira de realizador poderia significar uma fealdade às novas tendências ou simplesmente o uso da influência MTV, mas ao contrário do que se podia prever, o actor de Scrubs preenche com maturidade, filosofia e surrealidade á sua maneira num filme simples e terno.
Uma das razões para o sucesso foi a excelente banda sonora que se funde na perfeição com o filme. A compilação das músicas foi feita pelo próprio Zach Braff e, segundo ele, são um conjunto de músicas que ele sentia que estavam a marcar a sua vida na altura em que escreveu o argumento. A grande parte das músicas pertencem a bandas de Indie-Rock, como The Shins e Zero 7.
O filme de Zach Braff é uma surpresa no campo da comédia dramática, um filme invulgar mas vivo, inteligente mas descontraído, uma das obras ímpares do cinema americano do ano 2004.

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